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Foto do escritorValdemir Pires

Unimep: o sonho definitivamente acabou

Foto que ilustra comentário de Beatriz Vicentini no Facebook em 17/11/2024


Na rua, o cão sarnento, costelas à mostra, já não consegue comer nem beber, compartilhando o espaço dos trapos com restos de alimentos que alguém ali colocou. O máximo que faz é virar de lado, de vez em quando, sem conseguir se levantar. Um ou outro transeunte, comovido, às vezes ergue a voz e pede socorro, não podendo fazer mais do que isso. E o socorro não vem. Passa muita gente, até mesmo uns que brincavam com o animal quando era saudável. O cão é a Universidade Metodista de Piracicaba; os transeuntes, os piracicabanos. É de doer tanto o coração, que é preciso afastar os olhos, desviar a atenção para algum jardim ou nuvem que passa.

 

Que cidade é esta? Que gente a povoa? Quem a governa? Por que tamanha ingratidão embalada em profunda indiferença? Quem conhece a história da Unimep sabe o que ela foi e o que ela representou para Piracicaba, qual o seu legado. Há muito os piracicabanos deveriam ter se mobilizado e organizado um abraço coletivo minimamente mensal ao campus Taquaral – símbolo arquitetônico máximo do apogeu da instituição, que atingiu projeção nacional e caminhava para se internacionalizar. Deveriam ter iniciado um movimento diuturno contra a extinção da escola que formou tantos de seus profissionais com reconhecida qualidade, desde o ensino básico até a pós-graduação. Mas agora é tarde.

 

O sonho acabou. Não somente aquele sonho de uma universidade local de qualidade, que não foi uma dádiva oferecida à cidade por este ou aquele governo, mas uma árdua construção levada a cabo, ao longo de décadas, por mentes, corações e mãos de um grupo de pessoas notáveis, que fizeram história, uma bela história, sem alarde, passo a passo; mas acabou também um sonho maior, nacional, de ensino superior que não se limita a “fabricar” técnicos para atender à demanda do mercado (ou, pior ainda, simplesmente certificar a preços módicos), oferecendo política acadêmica e projetos pedagógicos conducentes a uma formação que, sem deixar de preparar para as atividades profissionais, necessárias e desejadas, envolve o estudante em reflexões e fazeres (uma vida verdadeiramente universitária) emancipadores face ao mundo complexo e eivado de contradições. Será que em algum momento futuro o Brasil conseguirá urdir um sistema universitário capaz de fugir à lógica neoliberal em que este foi mergulhado, buscando responder a demandas econômicas e mercantis que reduzem o ser humano a uma mera função, a de ofertante de mão-de-obra qualificada de acordo com as necessidades de uma economia global focada exclusivamente na produtividade e na competitividade a qualquer custo?

 

E, ainda, independentemente de isso acontecer ou não, será que aquelas instituições de ensino superior privadas que hoje ocupam o espaço antes pertencente à Unimep, estão entregando a seus egressos o que o mercado pede? Ou estão apenas vendendo a ilusão de que diplomas bastam e é melhor que não custem caro demais, nem exijam dedicação excessiva?

 

Não longe do quarteirão em que o cão sarnento agoniza, meia dúzia de gatinhos vistosos, cheios de charme, são acariciados por quem, ao passar por eles, não lhes resiste e lhes atira guloseimas, sorrindo. Isso de manhã e à tarde. Porque à noite todos os gatos, assim como todos os cães, são pardos. Se não latem nem miam, são apenas bichos, indistinguíveis. E geralmente é à noite que acontecem os sonhos, assim como os pesadelos.


P.S.: Será que o rico acervo da Biblioteca do Taquaral não poderia ser doado à Biblioteca Municipal?

 

 

 

 

 

 

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Beatriz Elias
Beatriz Elias
Nov 17
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As reflexões deste artigo são para serem guardadas como referência histórica. Como grito de indignação para posterior análise, quando a UNIMEP realmente não mais existir. Somente quem viveu a sua construção e sua maturidade, destruídos também pela inconsequência metodista, pode avaliar, como você vem o fez, o que Piracicaba está perdendo, sem sequer reagir

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