Imagem: Wolfgang Hasselmann (Unsplash)
Logo depois de uma chuva de verão, forte, rápida, sucedida por um abafamento infernal. A rua ainda molhada, o calor dissipando a umidade rapidamente, formando o mormaço típico.
Curvado pelos anos e talvez por alguma debilidade física deles decorrente, o homem caminhava lentamente, passo a passo, dando a impressão de que se desincumbia de uma tarefa hercúlea, embora calma e pacientemente. Parecia, também, estar se dedicando a uma atividade rotineira e obrigatória. Mas além do ar de resignação, seu olhar ostentava um quê de satisfação, de um recôndito prazer.
Era, talvez, porque o acompanhava, na ida à padaria, o netinho. Ligeiro e falante, ia ele à frente, enquanto o avô tentava desacelerá-lo.
– Mas você não disse que ia junto comigo?
– Tô iiindo...
– Sei, mas não comigo. Olha onde você está, longe de mim...
– Eu quero ver aonde vai esta lesma aqui (de cócoras, apontando para um ponto próximo à sarjeta). Vem ver.
Com muita dificuldade o velho senhor se pôs quase ajoelhado e ficou por uns instantes observando a lesma, que estava desafortunadamente à vista, na tentativa de ir da calçada quente para o murcho gramado próximo.
– Vai derreter se demorar muito – diz o avô.
– Vou por na grama – responde o garotinho já suspendendo o gosmento ser entre os dedos.
– E onde vai lavar as mãos, agora?
– Naquela poça ali – apontando para a água lamacenta acumulada numa cratera no asfalto esmigalhado.
– É água suja...
– Não como a lesma...
– É... É...
Lesma na grama, mãos “lavadas”, caminhada retomada.
– Mas você não disse que ia comigo?
– Tô iiindo...
E seguiram em frente.
Meia hora depois, tudo de novo, no sentido inverso, da padaria para casa, acrescidos de uma sacola com pães, frios fatiados e uma garrafa grande de refrigerante. Mais um picolé de abacaxi sendo chupado com muito gosto por alguém, claro!
– Agora é sua vez de carregar. Daqui até aquela árvore ali. Mas... Olha aí, a moeda caiu do seu bolso. Não fica pulando assim... que não adianta lhe dar o troco.
– Ah! A minha está aqui, olha – mostrando a moeda de um real na mão direita espalmada, recém-tirada do bolso.
– Então achamos outra. De quem será?
– Nossa, vô, é nossa. Outro dia eu perdi uma e não devolveram. Lembra?
– Mas você quer ser como o malandro que achou a sua e não devolveu?
– Não tinha o meu nome nela, vô. Como é que ele ia devolver? E – sabe? – acho que esta aqui (levantando a moeda) a lesma mandou como recompensa...
– É... É...
E foram para casa. Com uma moeda a mais.
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