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Foto do escritorValdemir Pires

Transcendence: A revolução



Tão satisfeitos com seu jeito de ser e viver e com as posses e poderes que o sustentam, os americanos levam para o cinema que produzem seus fantasmas, seus medos diante das potenciais e imaginárias ameaças ao american way of life, alçado ao ponto de chegada das conquistas universais em termos de sustentação e organização da vida em sociedade. Não raro, forjam nas telas os heróis imaginários, alguns com superpoderes, que os acalmam diante do “outro” (o bárbaro, o infiel). Na berlinda, ora o índio que detém o progresso, ora o imigrante fora-da-lei, ora o russo inimigo da liberdade... Na falta deles, uma epidemia devastadora ou um asteroide sem freio, sempre ameaçando toda a Humanidade e o planeta. Em Transcendence – A Revolução, o perigo iminente é a possível inteligência artificial.


O mote do filme é a criação de um Frankstein pós-moderno: a versão virtual do Dr. Will Caster (Johnny Depp). Sim, porque agora já não se trata mais de simplesmente infundir vida a um corpo humano do qual ela já expirou, mas sim de transferir uma inteligência humana para um programa de computador, criando, assim, uma inteligência artificial com atributos humanos: sentimentos, incertezas, medos, ambição. O desafio é outro, outros também os riscos. Frankstein poderia ser uma ameaça somente aos que dele se aproximassem, enquanto que a PINN (a máquina mesclada com o “disco rígido” do Dr. Will) tende a dominar o mundo.


Tudo começa com o brilhante Dr. Will e sua equipe desenvolvendo um projeto de inteligência artificial (PINN). “Ao contrário de minha esposa, não estou interessado em mudar o mundo, mas em entender como a coisa funciona”, diz ele na conferência após a qual leva um tiro de raspão, desferido pelos opositores do projeto, um grupo que teme a transposição da fronteira do conhecimento a ponto de alçar o humano a uma condição semelhante à de um deus. A bala, envenenada, deixa poucos dias de vida ao pesquisador agora cheio de fãs, entre os quais sua parceira e esposa, que não aceita a morte do amado a quem venera e procura, com ajuda bem-sucedida de outro colega de laboratório, manter viva a mente do Dr. Will, mesclando-a à PINN: fusão de criador e criatura.


Os talentosos e renomados atores, e os cenários futuristas que vão se erguendo na trilha da ascensão de PINN/Will (em contraposição aos ambientes precários e decadentes em que se movem as alarmadas e alertas inteligências humanas) tornam o filme atraente e agradável, enquanto a trama e o roteiro suscitam temas inquietantes (embora não originais): o conflito natureza versus cultura potencializado na disputa entre inteligência humana e inteligência artificial; a impossibilidade de um afeto transcendental entre duas inteligências, quando uma delas se torna artificial e superpoderosa (Ou seria a possibilidade? Ou será que nem entre duas naturais seria possível?); a conveniência das curas medicinais e o risco de sua descoberta levar a mutações indesejáveis, a ponto de gerar uma nova espécie – humana, mas imortal ou quase, excessivamente forte; o medo de um ser (ou uma máquina) tornar-se capaz de agir como um deus em meio à sociedade humana (onipresente, capaz de milagres, um criador e regenerador, ressuscitador) – ou seja, o medo de o transcendente estar aqui, agora, junto de nós, e, pior, não manifestar a bondade e perfeição dele esperada, sendo melhor permanecermos com nossas imperfeições, medos, sofrimentos, finitude.


Quem conhece Pierre Lévy e Jacques Ellul bem pode ter a impressão de que duelam em Transcendence – A Revolução, eles, cujos leitores podem ver como antípodas na avaliação dos avanços tecnológicos: o primeiro, otimista; o segundo, pessimista e antagonista. E quem conhece e lembrou da lei marxista do desenvolvimento em progresso das forças produtivas (cognome avanço tecnológico) transformando as relações humanas graças às mudanças nas condições materiais de vida, deve ter pensado: caramba, o capitalismo, se conseguir levar à inteligência artificial, pode destruir não só a si (máquina substituindo força de trabalho e matando a “galinha dos ovos de ouro” que é a mais –valia, ou seja, trabalho humano não pago), mas pode até mesmo acabar com a humanidade, sobrepondo a ela um tipo de ser que nem é homem, nem é máquina... (riso – e riso humano, como resultado de cócegas no conjunto de miolos a que chamamos cérebro).


Mas, sem desilusões descabidas e inoportunas! O amor – esta imperfeição - haverá de triunfar, na vida, como na sétima arte (afinal ele é o maior “sonho” de qualquer máquina que se torne perfeita e completamente inteligente): quem quiser saber como, não deve perder a ocasião de ver Transcendence – A Revolução, uma película original por, em pleno século XXI, apostar na trama e não nos efeitos especiais, no gênero ficção científica.


(Publicado no Adoro Cinema)

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