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Foto do escritorValdemir Pires

Tempo: artifício, convenção e hábito




O que é o tempo? Não existe uma resposta definitiva para esta pergunta, que parece desnecessária, uma vez que o tempo é percebido por todos tão natural e familiarmente, que não cabe indagar sobre ele – basta que permaneça passando. Inclusive porque é impossível impedir que assim seja.

 

O tempo passa? Quem duvida disso, já que sente o esvair dos dias na pele... nos ossos, na circulação sanguínea? Mas será que é, mesmo, o tempo que passa? Não seria o indivíduo finito quem caminha invariavelmente para o fim, enquanto o tempo permanece sempre o mesmo, à espera dos seguintes, que também passarão?

 

Se não existissem as noções de segundo, minuto, hora, dia, semana, mês, ano, século, milênio (que são frações das menores para as maiores na contagem do tempo), não se perceberia tão clara e demonstravelmente que o tempo passa. Isso quer dizer que mesmo sem saber o que exatamente é o tempo, e se ele passa, mesmo, ou não,  o procedimento humano de fracioná-lo em pontos e segmentos ao longo de uma reta imaginária que evolui  (a seta do tempo) produz a certeza de que ele segue em frente, sem que possa ser detido.

 

Mas a contagem do tempo requer uma medição: o que é que se conta? A unidade básica de contagem da passagem do tempo é o dia. Segundos, minutos e horas são frações do dia. Semanas, meses, anos, séculos e milênios são somatórios de dias. Mas o que é, afinal, o dia? Simplesmente a duração de um giro completo da Terra em torno de seu eixo. Uma convenção, uma simples convenção. Banal, depois de estabelecida; espetacular invenção: em algum momento alguém percebeu essa possibilidade genial.

 

O dia é uma convenção que recorre a um artifício que requer o sofisticado entendimento, legado pela astronomia (que alguns chamam de a mais antiga ciência), de como funciona o universo próximo (o Sistema Solar), depois de se perceber que a Terra é, aproximadamente, uma esfera que gira, a uma dada velocidade, em torno de seu eixo inclinado em relação ao Sol, resultando na incessante repetição de períodos iluminados (dias) e escuros (noites).

 

Mas enquanto se mede a evolução do dia, a passagem das horas, acompanhando o “caminhar” da luz solar sobre a superfície terrestre, ao sabor do giro do planeta, o que é que está, de fato, passando, seguindo em frente? O que se está medindo e contando por meio da engenhosa convenção inventada valendo-se de um fabuloso artifício astronômico? Viesse a Terra a girar em sentido contrário, o tempo teria sua trajetória invertida?

 

Pronto! Não fica suficientemente claro que o tempo é, acima de tudo, um enigma que se esconde por trás de uma convenção?

 

Mas então porque ele parece, pelo contrário, tão elementar? Rotina: esta é a resposta. A humanidade adquiriu o hábito quotidiano de medir o que chama de tempo (os giros da Terra em torno de seu eixo e ao redor do Sol) com seus relógios (máquinas que evoluíram até se tornarem quase perfeitas) e calendários (espécies de contabilizadores do tempo “acumulado”). Tudo o que todos, sobre a Terra, fazem, respeita o relógio e o calendário. Ou, na linguagem corrente, tudo se dá em algum lugar, em um dado tempo. Nada pode acontecer sem estes fundamentos: espaço e tempo.

 

Evidenciado o motivo pelo qual o tempo é tão familiar, resta reconhecê-lo como enigma. Enigma que se não nasceu com o ser humano, surgiu-lhe na alma e na mente desde muito cedo. E assim permanece. Ainda que a teoria da relatividade, desde o início do século passado, afirme que o tempo é algo material, porém indissociável do espaço: espaço-tempo.

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