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Pacote Hadad: reforma ou revolução tributária?


O jargão político consagrou a divisão dos grupos e partidos entre direita e esquerda, conforme o posicionamento diante da realidade posta. A esquerda luta por mudanças; a direita, pela manutenção do status quo. As extremas (esquerda ou direita) exacerbam seu comportamento, lançando mão até da violência para não arredar pé de onde se encontram. Entre os extremos, o meio. A palavra centro antecedendo direita ou esquerda remete a agrupamentos políticos não só equidistantes dos extremos, mas também propensos entre si a concessões e pactos. A expressão centro, portanto, empurra os grupos em posições polares para longe da revolução (mudança profunda e rápida) para a reforma (mudança amena e paulatina).

 

No ambiente fiscal (em que se manejam a tributação e o orçamento), nunca se fala em revolução, mas reforma é um desejo permanente, às vezes se tornando urgente, conforme o avançar das relações econômicas, que mudam as condições de produção e de distribuição da riqueza. Tanto que a maior das revoluções fiscais seria aquela em que o Estado passasse a recolher tributos somente dos ricos e gastasse em benefício somente dos pobres – jamais vista. No máximo, acontecem reformas fiscais que diminuem um pouco a carga tributária sobre os pobres, em momentos em que a injustiça tributária se torna demasiadamente flagrante e perigosa para a estabilidade política.

 

A proposta de alteração tributária que o governo Lula encaminhou ao Congresso Nacional neste final de 2024 não é uma reforma, nem mesmo uma ousada reforma, mas uma revolução tributária. Especialmente considerando-se a realidade brasileira. Nunca antes, na história desse país, uma proposta de mudança nas regras de tributação foi tão longe no quesito justiça tributária. Todas as reformas anteriores visavam ou à adequação da natureza dos tributos ao novo padrão de funcionamento da economia (1967, p. ex.), ou à melhor distribuição da arrecadação entre os entes da federação (1988, p. ex.), ou à compatibilização da prática nacional com a internacional; raramente a equitatividade se fez muito presente. Tanto que a arrecadação nacional repousa impavidamente, há décadas e décadas, sobre impostos indiretos, que oneram mais os pobres que os ricos. O imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), o imposto sobre serviços (ISSQN), o imposto sobre a produção industrial (IPI), atingem os preços finais e são pagos, de fato, pelo consumidor final, sendo alíquota a mesma para todos, ricos, pobres ou classe média. O que não acontece com os impostos diretos, como os que oneram a renda (IR) ou a propriedade (principalmente imóveis e veículos - IPTU e IPVA).

 

Propor uma verdadeira revolução tributária numa conjuntura em que o Congresso Nacional é composto pelos grupos mais avessos à sensibilidade social e mais deslavada e descaradamente anti-pobres (como estivesse acontecendo uma epidemia causada pelo vírus da aporofobia), é de uma ousadia que certamente vai cobrar um preço que o proponente não tem como pagar. E, por isso, tende a cair nas costas do conjunto da sociedade. Trata-se de um erro de estratégia. Ao qual vão começando a se juntar outros, de tática, no processo de negociação e de divulgação da proposta.

 

Dizer isso é o mesmo que dizer, a um governo eleito pelo povo, depois de este sofrer na pele a desgraça da administração(?) Bolsonaro, que este governo deve ser conciliador e não promotor de novas frentes de discórdia. Chega a ser constrangedor, porque o fato é que as conciliações vêm sendo a causa de quotidianas derrotas deste mesmo governo. Além disso, censurar um arroubo progressista (enfim) do governo petista corresponde quase a repreender um desejado comportamento radical (relativamente falando) que se antepõe, muito justamente, a um comportamento anterior, dos bolsonaristas, mais do que conservador, retrógrado.

 

Parece que Lula cansou de botar remendo novo em roupa velha e mandou irem em busca de novas vestes. Já velhinho, deve estar cedendo ao coração, olhando para seu passado de sofrimento, que é o espelho a partir do qual ele enxerga seu povo sofrido. O problema é que governar com o coração – que deveria ser o certo a se fazer, sempre – não pode funcionar bem num mundo desalmado, ou, pior, num mundo em que as almas foram todas vendidas a Satanás.

 

É triste acreditar (mesmo torcendo para esta crença ser desmentida pela realidade) que o saco de bondades da reforma tributária urdida por Hadad (especialmente o alívio do imposto de renda para os mais pobres) vai levar um pontapé vigoroso do Congresso Nacional, e que a sacolinha de maldades que o acompanha (por ser inevitável compensar com outras fontes a renúncia praticada em outra) vai ser carinhosamente aberta, seu conteúdo gerando sofrimentos exatamente para quem pretendia aliviar.

 

Desalentadora situação: com o coração não é possível bem governar; com o cérebro, está difícil. A que ponto se chegará? À prática de governar com fígado e intestino? Se assim for, 2027-2030 tende a repetir 2019-2022: direita intestinal.

 

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