A culpa é das estrelas
- Valdemir Pires
- 22 de jun. de 2014
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de jun. de 2024

Ontem à noite, Regina Monteiro e eu vimos "A culpa é das estrelas". Não queríamos perder a oportunidade rara de ir ao cinema e não tínhamos opção de título. Regina conhecia o autor do livro que inspirou o filme e sabia um pouco do enredo, bem como do perfil do público para este tipo de película e novela (ou romance?). Não era recomendável nem para mim, nem para ela, mas disfarçamos a curiosidade em esforço para entender com o que a moçada anda se sensibilizando...
Chegamos cedo e nos acomodamos, eu com o meu indefectível pacote enorme de pipoca... Quando o público começou a chegar, eis que o seu perfil se delineia rápida e expressivamente: meninas adolescentes, em quantidade maior do que as pipocas da minha caixa...
Como vai ser, pensei?
Do meu lado, quatro amiguinhas, duas tendo lido o livro. Do lado da Regina, outras quatro, que conversavam sobre leituras, uma delas mais avançada (falava de "Os miseráveis", lido depois de ter visto o filme). Já começou a ficar interessante. Regina e eu trocando olhares de aprovação. Sensação reforçada, depois, pela presença de livros e de um enigmático e rabugento autor na trama do filme.
Começa, enfim, a projeção. Gritinhos histéricos...
E foi o tempo todo suspiros e grunhidos. Mas, curiosamente, ao contrário do que sempre acontece, não nos incomodou. Comentando depois da sessão, ambos concordamos que o público fez parte da experiência de um modo integrado, complementar. As meninas nas nossas laterais, ao fundo e à frente, por todo lado, eram elas próprias clones reais da personagem vivida pela expressiva Shailene Woodley. Algumas antecipavam a fala dos personagens.
Foi a primeira vez que vi utilizarem como recurso cinematográfico balões com textos para mostrar a troca de mensagens de celular entre personagens. E ficou simpaticozinho.
A temática do filme é típica da geração, pouco afeita a temas sociais, políticos ou mais amplos do que seu quotidiano; típica, também, da classe social - média americana: a iminência da morte como fonte de valorização da vida; e a vida, cômoda demais e desprovida de horizontes e desafios para além das fronteiras do umbigo, carecendo de dores conducentes ao crescimento e à inserção no mundo hostil. Mesma temática de Daniel Galera, em "Até o dia em que o cão morreu", que eu havia lido num só fôlego, na semana anterior, por sugestão e empréstimo de meu amigo Sebastião Guedes, pela mesma razão pela qual vi o filme: entender o que move e comove a geração atual, com a qual convivo como professor - este personagem ao mesmo tempo amado e odiado (por razões que é preciso entender para não inviabilizar a relação pedagógica).
Não poderia deixar de registrar o fim da sessão cinematográfica (o do filme não posso contar, para não estragar o prazer de quem ainda vai ver; nada de spoiler): acesas as luzes, uma garota se levanta e fala alto, bem alto, apontando para outra, sentada: "Tá vendo, falou que era besteira e agora tá aí, chorando rios!". Todos riram. Todos os que tinham aplaudido pouco antes de a luz acender, repetindo em uníssono: "OK!".
A culpa foi do menino, esse Gus: uma estrela brilhando lá no céu, à espera de Hazel, quando, em breve, chegar a hora dela. O câncer é mais poderoso do que Capuletos e Montequios em conflito, quando se trata de intensificar o amor entre dois jovens. A interdição vem das células (unidade mínima de um indivíduo) e não das relações sociais (aglutinação de indivíduos). Sintomático. Mas assim é que é; e a partir disso será necessário entender o mundo por vir. Modernidade liquidada. Líquidas relações tentando não se desmanchar no ar.
É isso. Por ora vou ficando aqui, na praça, dando os milhos-pipoca que sobraram aos pombos, por que amar é bom, inclusive à natureza. Que não nos esqueçamos: "É preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã..." Uma legião de pessoas.
(Publicado no Adoro Cinema)
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